conversa com SABINE PASSARELI
- julha

- 25 de mar. de 2020
- 22 min de leitura
Atualizado: 29 de mar. de 2021
Quando resolvi iniciar os registros não tive dúvida de por quem começar. Gabe Passareli além de terapeuta ocupacional e artista é uma articuladora e voz importante do agora. Sempre que nos encontramos ela me atravessa com frases que depois me fazem eco na cabeça e no coração. Abaixo segue nosso bate papo informal, na íntegra, realizado no dia 24 de março de 2020.
Julha Gameiro: Pra começar, queria que você me falassem um pouco sobre si de uma forma geral, quando você para no AGORA, qual é essa construção que te resulta. Quem é Gabe, quem é Sabine?
Sabine Passareli: Uau! Primeiro de tudo amei você me convidando numa segunda feira pra fazer esse programa com você e eu fico curiosa de quem é que vai te entrevistar porque você é muito criativa e você já assimilou uma maneira de fazer algo nesse momento em que estamos vivendo. Não me surpreendeu. Enfim. Eu tenho três nomes né amiga. Já tive vários nomes. Eu sinto que tenho muitos nomes mas eu consigo reconhecer três nomes hoje em 2020. Que é o meu nome de registro, que é Gabriel, tem também meu nome Gabe que é um nome que muitas pessoas me conhecem né? Eu sinto que é o nome que as pessoas mais me conhecem, Gabe. E tem Sabine que é um nome que foi soprado no meu ouvido e que eu senti que diz muito sobre o meu processo de performance, como eu desenvolvo um trabalho artístico, como esse corpo de 24 anos desenvolve processos artísticos e nos últimos 3 meses eu tive muitas questões sobre ser artista. Eu disse várias vezes nesses últimos três meses que eu não sou artista. (risos) Que eu sou Terapeuta Ocupacional e ser terapeuta ocupacional demandou 6 anos de estudos, demandou deslocamento de Rio Bonito para o Rio de Janeiro. Eu não me reconhecia como artista há um tempo atrás mas muitas pessoas me interpelavam como artista, principalmente depois do trabalho que eu fiz no Parque Lage de performance. Eu já havia feito performances em colaboração com outras pessoas, mas foi o meu primeiro trabalho individual e um trabalho que ressoou mais do que eu imaginava que ressoaria. Muitas pessoas acessaram isso. E sobre nesses últimos 3 meses eu estar dizendo que eu não sou artista, foi porque eu tava num grupo de trabalho onde as pessoas se identificavam como artistas e principalmente designers e eu percebi que a minha pratica de trabalho era completamente dissonante dessa pratica artística esperada. E aí quando eu me coloco como terapeuta ocupacional é porque eu sinto que o meu processo como terapeuta ocupacional já transcendeu a racionalização, compreende? Demandou 6 anos de estudo, demandou eu estudar desde anatomia até modelos de ocupação humana, modelos de avaliação de como as pessoas fazem as coisas e isso acabou se tornando intrínseco na minha perspectiva de vida e eu sinto que isso sobressai a toda e qualquer prática que eu possa vir a desenvolver e que eu possa me denominar, seja artista, seja performer. E agora que eu voltei pra Rio Bonito, após esses 3 meses viajando, eu percebi que a minha pratica artística é a maneira autônoma e também a minha maneira de fazer terapia ocupacional. Ser terapeuta ocupacional não me impede de ser artista e ser artista não me impede de ser terapeuta ocupacional. Eu percebi que ser artista, você pode ser uma pessoa frentista artista vai depender da maneira que você desenvolve a sua ocupação quanto frentista. Eu percebi que a minha maneira de desenvolver terapia ocupacional é uma maneira nova, uma maneira que tá existindo a partir do meu corpo, da minha intuição, a partir das conexões que eu faço com as pessoas, quais pessoas em quais espaços que eu trabalho. Desde de muito cedo eu percebi que não gostaria de trabalhar em lugares fechados, cumprindo ordens de outras pessoas ou precisando usar um jaleco e... eu sinto que o meu processo artístico é um processo de criar uma nova possibilidade terapêutica ocupacional. Isso faz sentido pra você amiga?
JG: Muito. Ressignificar pela arte, como ferramenta.
SP: Eu lembrei de uma música, você conhece Fique Viva da Brisa Flow? Tem esse momento no videoclipe, no final, que tem uma cartela dizendo que na cultura indígena e nas culturas de matrizes africanas os povos tradicionais não tem uma palavra pra denominar a arte, pq a arte tá intrínseca a vida. E quando eu me percebo artista eu me percebo me reinventando dentro das minhas possibilidades do hoje pra que eu esteja viva e segura e criando significados num mundo que só meu espirito e a minha alma podem criar nessa encarnação que eu to vivendo aqui em 2020.

JG: Lindo! Vamos falar sobre 2020 e o mundo? Acho que você pode até falar sobre o mundo e depois a gente entra nessa parte de 2020 que tá um mundo a parte.
SP: Uma coisa que eu tenho dito muito nos últimos tempos é que eu sou uma pessoa de fé, eu tenho muita fé. Assim, eu vim pra essa terra pra colocar muita confiança na terra, eu não vim pra pesar, eu já fui uma pessoa bem pesada assim, no sentido de não entender como as coisas funcionavam mas a partir do momento que eu comecei a me encontrar eu fui me tornando cada vez mais uma pessoa confiante, uma pessoa positiva, espiritualizada. Eu sinto do que muito do que a gente percebe do mundo é o que nós percebemos sobre nós mesmos. Eu digo isso porque eu já vivi situações que eu poderia ter reagido da maneira mais pesada, mais negativa, no entanto a maneira intuitiva que eu reagi sempre foi uma maneira amorosa, dialógica, ciente, empática, resiliente. Hoje em dia eu consigo, por exemplo, no meu próprio mundo, aceitar elogios que as outras pessoas fazem para mim, eu consigo fazer elogios a mim mesma, nesses últimos três meses eu fiz muito isso, no banheiro do trabalho eu me olhava no espelho e falava assim "ai você é linda, você é inteligente, seja criativa, aproveita seu dia, arrasa, você é gostosa! Rebola a sua bunda e se diverte!" eu sinto que essa é a maneira que eu percebo o mundo. Eu amo rir, eu amo estar com as minhas amigas, amo positividade! Só que o mundo não é só isso, eu to dizendo sobre mim né? Eu sinto que no mundo há muita crise, inquestionavelmente... há muita tristeza né? Porque a gente vive num mundo desigual onde muitas pessoas ainda vivem situações profundas de vulnerabilidade. Sinto que há muito trabalho para com o mundo, que a gente possa começar um processo de transcendência mesmo. Coisas que não começaram hoje, que começaram há muito tempo atrás, que a gente pode chamar de processos de colonização, processos capitalísticos. E eu percebo que há um processo humano comportamental, humanidades e os seus equívocos. Hoje, em 2020, eu já não me assusto mais amiga, eu vou te dizer... Estamos no meio dessa coisa que estão chamando de Coronavírus né? Uma coisa que apareceu "do nada" e que tá fazendo todo mundo transformar seus comportamentos e seus cotidianos - quem tem a possibilidade de - eu sinto que isso é algo passageiro, não é algo que vai influenciar nossa vida para sempre. Ai amiga, vou te dizer, depois de 2018, depois de ter vivido todo o processo de busca pela minha irmã e a consciência do que aconteceu com ela, c a minha família, com as minhas amigas, intimamente eu sempre trabalhando com terapia ocupacional sempre tive acesso a muitas questões de saúde mental, de pessoas vivendo situações de vulnerabilidade profundas, posso te dar exemplos de pessoas que abriram casos esquizofrênicos porque viram pessoas da família sendo assassinadas na frente delas, eu tive a oportunidade de cuidar dessas pessoas, ou possibilidade de entrar na casa de duas senhoras que foram afastadas de uma criança; eu vi a criança na minha frente sendo levada para o orfanato enquanto a mãe e a vó foram afastadas porque elas tinham questões de saúde mental e tive a oportunidade de ajuda-las. Isso tudo sempre me fez pensar nossa como eu vou cuidar dessas pessoas? como eu vou estar disponível para essas pessoas ne? E o universo me preparou de alguma maneira, eu sinto que o que aconteceu com a minha família, o que aconteceu comigo, o que aconteceu com a minha irmã, não tem explicação que justifique, não tem desculpas, nem culpa que justifique o que aconteceu. Eu sinto que se eu posso tirar algo de positivo disso tudo foi que eu sai desse processo ainda mais forte, percebendo que o mundo precisa mesmo da minha presença. Em alguns momentos eu estou em alguns contextos com algumas relações que são relações tóxicas, que me fazem mal, consigo reconhecer e ainda assim eu percebo dentro de mim um processo de empatia, um processo de compreender que até mesmo quem nos causa mal está sendo influenciado pelo seu próprio contexto, pelas relações familiares que se construíram através da vida dessa pessoa e eu to dizendo tudo isso amiga porque a terra ela tava aqui antes mesmo da gente chegar, compreende? E poder ir pro Egito por exemplo foi um choque muito grande para mim, porque eu tinha uma visão completamente romantizada do Egito, completamente 4mil anos atrás, influenciada pelos mitos e pela exuberância que foi construir uma civilização e ai eu me percebi em determinado momento no centro do Egito, no Cairo, percebendo como as pessoas ainda vivem lá até hoje. Hoje eles estão comemorando 10 anos de revolução, as pessoas lá ainda buscam mais revoluções, pq ainda são muito conservadoras. Sinto que se a gente não cuidar hoje do que tá acontecendo com a gente, com a nossa mente, nosso corpo das nossas relações, a gente vai se fechar cada vez mais, nos tornar mais intolerantes, sem paciência, descuidadas. Porque é essa a realidade fora das nossas casas. As vezes é uma realidade de intolerância, de descuido, tá dentro das nossas casas, imagina então nas ruas, nos trabalhos. Muito trabalho a ser feito. Eu to compartilhando com você as experiencias mais recentes que estão mais latentes no meu corpo, e em Amsterdã eu vi um babado na rua que eram vários lambes lambes escritos assim "Pessoas criativas são os novos atletas" Aí a gente pode pensar nisso numa perspectiva do investimento né, que se tem hoje para com pessoas criativas, compreendendo como o processo de trabalho tá se transformando, mas também como pessoas criativas hoje tão entrando num processo de serem novas possibilidade de vida, novas possibilidades de criação. Pq já não dá mais pra gente viver com uma cabeça de 10 anos atrás, imagina com uma cabeça de 50 anos atras. Pessoas ainda vivendo com a cabeça das primeiras embarcações que chegaram aqui pra evangelizar os povos originários dessa terra que hoje a gente chama Brasil. Eu to dizendo tudo isso pra dizer que a gente precisa trabalhar pra não se tornar pessoas conservadoras. Eu tenho muita paciência, eu digo pra você que sou uma pessoa empática no entanto eu to me tornando uma pessoa intolerante a conservadorismo. Eu to me tornando intolerante a pessoas que não respeitam as outras ou as que acham que estão sempre certas, pessoas que sentem que ponto de vista delas são os únicos pontos de vistas. Eu já fui essa pessoa; quando eu era criança, ou adolescente; que quando você cresce com muitas opressões, com pessoas dizendo pra você "engrossa essa voz pra você falar que nem um homem" ou "anda de determinada maneira pra você andar que nem homem" ou "porque você tá com esse braço? Só meninas tem esse braço" a gente vai se formando enquanto um sujeito fechado, irritado, oprimido, que não quer nem sair de casa. Graças as Deusas eu entrei numa faculdade de terapia ocupacional, eu agradeço isso todos os dias, se eu não tivesse passado por esse processo, um grupo de professoras, um grupo de pessoas que estudavam comigo majoritariamente mulheres, também a minha mãe, as amigas da minha mãe, minhas amigas do colégio, eu sinto que o meu mundo é completamente feminino, compreende? Claro que tem questões ambíguas, também paradoxais, que é pra onde eu direciono o meu desejo e eu sinto que hoje eu tenho mais consciência sobre isso por exemplo me relacionar afetivo sexualmente com um homem, sinto que muito do vicio do macho que muitas pessoas que se identificam como gay ou travestis mesmo tem uma seca por homem, compreende? eu não consigo explicar mas eu consigo identificar isso em mim que é uma seca da putaria mesmo. Uma seca de você se relacionar com homens que não vão te assumir, não vão te respeitar ou vão depois sair pra ir pra casa deles com a esposa e com os filhinhos, compreende? Que tá te comendo escondido mas no discurso tem a igreja e a bíblia embaixo do braço. To te dizendo isso porque eu não sei pra onde a vida vai me levar, mas eu sei que eu tenho muita responsabilidade, eu já acessei muita liberdade na vida. Você conhece as minhas amigas, você conhece as pessoas que no Rio de Janeiro estão ao meu redor. As minhas amigas são suas amigas, as pessoas que estão ai na nossa casa, porque a sua casa pra mim também é minha casa, compreende? A gente tá a frente do nosso tempo amiga. Eu paro um segundo pra perceber umas coisas que por exemplo o meu pai diz e eu não consigo nem sentir pena, compreende? Eu sinto assim nossa como eu posso ajudar a essa pessoa a ter uma visão de mundo mais aberta pra que ela se torne uma pessoa mais aberta com ela mesma. Porque eu vou percebendo certos discursos facistas conservadores preconceituosos, isso diz muito sobre o mundo que a gente tá vivendo hoje, mas não diz sobre o meu mundo infinito e particular, mas diz sobre as estruturas que estamos vivendo e que precisamos cuidar.
JG: E a natureza? Gaia. Quais são os pensamentos que te atravessam?
SP: Eu não fui teletransportada. Eu sai de dentro do útero de uma pessoa né? Não foi uma nave espacial que me trouxe aqui na terra. Uma energia de encontro de corpos que gerou outro corpo, mas teve um corpo que gerou um casulo que me teve ali dentro por 9 meses e me construiu quanto osso, pele, cabelo, olho, mãos, sinto que pra mim essa é a maior relação de natureza que eu possa ter. A minha relação humana para com as pessoas. Eu sinto que nós somos a terra, nós somos gaia, somos o ar o fogo a agua. Eu sou de Rio Bonito né amiga? De Rio Bonito pro mundo, eu cresci brincando na rua, na casa da minha avó Gene com a minha mãe, um sitio na beira de estrada, no meio do mato. De vez em quando a gente tomava banho de rio, ia na cachoeira, no quintal de casa tem uma mangueira, estamos próximas das montanhas porque Rio Bonito é um vale e eu amo a praia também mesmo não tendo em Rio Bonito. Eu sinto que nós precisamos cuidar da natureza Quando eu te digo que nós precisamos cuidar da natureza nós precisamos cuidar de nós. Pq nós somos a natureza. Se a gente desrespeita a natureza a gente ta se desrespeitando e sendo irresponsável com nós mesmas. Muito maior do que eu possa imaginar. Ontem eu tava falando pra minha mãe que um dia a gente vai viajar de avião juntas. Caraca! O que é tá dentro de um avião e ver a terra? De cima! As nuvens, o oceano! O que é você tá no meio do oceano? Eu não tenho palavras pra descrever o que é a magnitude da vida. Não tenho palavras pra dizer o que é essa matéria que a gente tá aqui andando/nadando sobre. É muito gigante, muito poderoso. É muita energia! Muito forte! Nunca vou me esquecer do dia que eu tomei um cogumelo pela primeira vez junto com a Anis e a Raissa e a gente foi numa cachoeira chamada Cachoeira do Iriri, lá em Angra dos Reis, que a Anis é de Angra dos Reis, uma outra pessoa que nasceu num lugar que eu chego a me arrepiar, me da uma vontade de chorar, eu amo muito a Anis, e eu amo muito ela ter possibilitado a gente de conhecer a origem dela uma vila histórica em Mambucaba, que é esse lugar muito pequeno em angra dos reis e diz muito sobre ela. Assim como eu sinto que Rio Bonito diz muito sobre mim. Isso foi em 2018, após tudo ter acontecido, nos preparamos por dois dias antes, nos alimentamos bem na casa da Anis, muita comida deliciosa da Tia da Anis, tomando banho de praia e ai fomos num dia de manhã na cachoeira, a gente tomou o cogumelo com suco de laranja. Quando eu coloquei o bababo na minha boca, eu não sei se foi um placebo poderoso do meu cérebro, mas eu já senti uma coisa, já mudou! E o babado foi se intensificando. Num primeiro momento, cada uma de nós a gente teve uma onda separada, nem ficamos juntas, cada uma foi lidar com seu próprio processo. Eu lembro que eu tava sentada num galho, com o pé na água, e eu lembro que eu tava chorando muito, entrei num processo de agonia, me deixou muito agoniada e eu lembro que eu comecei a conversar com a Matheusa. Eu abri um portal dentro de mim, espiritual, cerebral, humano, mágico, transcendental, e eu pensei que eu estava dizendo alguma coisa pra ela. Como se eu tivesse dizendo "vai ficar tudo bem, fica calma, faz as suas coisas". Só que quanto mais eu achava que eu que tava dizendo mais agoniada eu ficava. até o momento que eu fechei o meu olho e eu vi tudo branco. Fechei o olho e não tava tudo preto, era tudo branco como se tivesse muita luz dentro do meu cérebro. Aí eu percebi que não era eu que tava falando com a Matheusa e sim a Matheusa que tá aqui falando comigo! Ela tá dizendo pra eu olhar pra frente, pra eu seguir tranquila, pra eu não ter medo, pra eu não deixar de fazer as minhas coisas, pra eu ter calma. E a partir desse momento a onda de agonia passou, nós 3 nos reencontramos, tiramos a nossa roupa, era um dia muito ensolarado então a água tava dourada, eu olhava pra água e via como se ela fosse feita de ouro derretido de tão dourado que tava. Eu to dizendo tudo isso pra chegar num ponto muito específico, porque a minha relação com a natureza ali mudou, eu percebi que a natureza transcendia a matéria. Que tinha uma natureza ali que eu não conseguia ver, mas que estava existindo e foi porque em um determinado momento eu vi uma pedra redonda numa parte rasa, peguei essa pedra e quando eu peguei essa pedra a primeira coisa que eu vi foi que tinha uma marca do lodo, como se aquela pedra não tivesse saído dali há muito e muito tempo. No mesmo lugar. Eu senti uma coisa muito estranha me dizendo essa pedra não é sua devolve isso. Não é seu. Eu coloquei no lugar de volta e no que eu me virei eu olhei de volta pra água e eu vi uma pedra de quartzo rosa eu encontrei essa pedra. Gigantesca e bruta, com um formato de um coração, no meio da onda de cogumelo. E após eu ter largado a outra pedra eu fiz a escolha. Eu senti que aquela primeira pedra não era minha, o que me possibilitou virar de costas pra ela e encontrar o quartzo rosa e ai eu senti, essa é minha... Nossa! Oxum tá me dando essa pedra porque eu soube fazer a escolha. Aquilo ali me ensinou despossessão. Me ensinou que algumas coisa não são pra mim, ensinou que eu preciso ter a inteligência e a sensibilidade de perceber o que eu preciso deixar pra trás. Geralmente quando a gente tem essa inteligência emocional de deixar pra trás coisas melhores que vão nos fazer bem e melhor pra nós vão estar a nossa frente. Foi aí que eu percebi que caraca mona! Existe uma natureza e ela tá se comunicando comigo 24horas por dia. Muita fé! Foi um momento de amor incondicional! Só agradeço.
JG: É uma illa!!! Na cultura nativa ancestral Peruana, esses objetos são chamados de Illas! Podem ser 100% naturais ou natural com alguma interferência humana ou até 100% criado pelo homem. A gente sente quando é pra ser nosso. Quando estamos em perfeita sintonia a gente ouve esses objetos nos chamando "psiu, olha aqui embaixo!". Eles a partir dali nos acompanham e nos protegem.
SP: Ai!! Vou te mostrar a segunda illa que apareceu no meu caminho! Essa aqui já tava dentro de casa, aí o babado vai se tornando cada vez mais complexo. Um dia aqui em Rio Bonito, depois de ter encontrado o quartzo rosa, eu vi uma pedra dentro de casa e eu perguntei pro meu pai que pedra era essa e daonde ela vinha. Ai ele me disse que tinha trazido de Lavras que é um lugar que ele vai aqui próximo e me disse que ia jogar a pedra fora!!! E eu disse não, você não vai jogar a pedra fora e ai ele me deu a pedra. Ai a pedra é tipo um pedaço de granito com uma ametista na ponta. Quando você coloca numa certa posição ela e o quartzo se encaixam e se tornam um grande coração - falou mostrando pelo video. Nossa amore, o que que é isso?
JG: Tudo! Muito lindo!
SP: Eu disse isso do cogumelo e falei também da minha relação com o útero e todos os contextos porque além do universo por si só, a natureza de gaia ser incrível e ter muita potencia por si só, ela ainda nos dá recursos pra que a gente ainda acesse dimensões ainda mais profundas disso que a gente chama de natureza. Seja tomando um cogumelo ou fumando a nossa taba, Ayahuasca, etc.
JG: Gabe, queria saber agora seus pensamentos sobre sociedade e política. Não sei se vc quer falar separado, um pouco de cada ou já entrelaçar os assuntos.
SP: Impossível né falar de sociedade sem falar de política ou falar de política sem falar de sociedade. A primeira coisa que me vem a mente é que eu sei que ainda vou ocupar cargos políticos, isso vem cada dia mais pra mim. Nos últimos 8 anos sempre tive uma certa ojeriza, uma recusa com pessoas partidárias e muitas das minhas amigas tem uma perspectiva mais anarquista, só que tenho consciência que viver uma vida anarquista real hoje é quase que um conto de fadas, uma irresponsabilidade diante da estrutura política que a gente tá vivendo hoje, principalmente no Brasil. Então a partir disso eu te digo, sinto que possivelmente, quando eu tiver idade apropriada se ainda tiver rolando esse papo de presidente do Brasil, vereador, prefeito, aí eu vou vir de vereadora, de prefeita, vou vir de presidenta do Brasil mesmo. Essencial a gente se organizar, e a gente que tá desconstruindo e analisando cotidianamente nosso fazer no mundo também ocupem esses cargos de agenciamento político. Nem vem ao caso eu ficar batendo na mesma tecla de Bolsonaro porque a gente sabe que é um irresponsável, um ignorante, uma pessoa que não tem inteligência emocional. Tem que vazar logo! Pra mim hoje, pensar sociedade e politica é um novo start. Dois novos starts; um é quando figuras como a Marielle Franco assumem cargos políticos, como de vereadora do Rio de Janeiro. Pra mim tem uma coisa que me toca profundamente, e que provavelmente vai demorar toda a minha vida pra assimilar, é o assassinato da Marielle, isso pra mim... não dá! Nos meus 24 anos de vida, o assassinato da Marielle é uma das coisas mais tristes que eu tenho consciência. Pra mim o assassinato da Marielle resume nossa situação política e a nossa sociedade hoje, contemporânea. Inquestionavelmente, a partir desse momento, desses dois anos que a gente "não sabe" quem mandou matar a Marielle, "porque" mataram a Marielle. Isso precisa ser a aurora de um novo comportamento político e de sociedade, porque é inaceitável o que aconteceu com ela. Fortíssimo. Ela me inspira. Eu nunca vou me esquecer do dia que eu fui na casa da Mãe Celina de Xangô, já ouviu falar dela? Babadeira e poderosíssima! Minha amiga Marta Supernova me convidou pra ir na casa da Mãe Celina de Xangô e me deu um jogo de búzios de presente, pagou pra mim! Foi a primeira vez que eu fiz um jogo de búzios na minha vida. Eu tava na frente do prédio da casa da Mãe Celina de Xangô, ali na Sacadura Cabral, eu lembro que eu tava com um vestido de veludo, arrumada pra ir pra lá e eu tava sem internet no meu celular, não conseguia falar c a Marta, mas sabia que a Marta já tava dentro do prédio, provavelmente já fazendo o jogo dela, antes de mim. Eu decidi esperar ali porque eu sabia que em algum momento a Marta ia sair do prédio e eu ia conseguir falar com ela pra entrar e encontrar a Mãe Celina de Xangô. Eu tentei abrir o portão e não consegui. Tinha um cadeado com uma corrente e eu tava ali esperando, esperando, até que 40minutos ou 1 hora depois, chega uma menina, ela me cumprimenta e me diz que essa tranca é uma tranca falsa, não fica trancado de verdade. Como se fosse um cadeado, mas não verdadeiro, tava ali só pra sabotar quem tentasse entrar e eu não sabia. Fui sabotada porque eu não sabia. Aí eu fiquei muito feliz e perguntei pra mona, como é seu nome? Muito obrigada! E ela me disse "Marielle". Eu senti que foi a Marielle que abriu o portão pra mim, pra eu entrar na casa da Mãe Celina de Xangô pra eu pudesse fazer meu primeiro jogo de búzios. E ela fez meu jogo, me disse que eu sou filha de Iansã com Ogum, fez jogo de exu, abriu cartas ciganas. A Marielle abriu um portão que me possibilitou acessar o maior oráculo que eu já acessei na minha vida, que foi esse na casa da Mãe Celina de Xangô. Nesse dia a Mãe Celina foi muito pontual comigo, me disse várias coisas que eu sinto que vou carregar toda minha encarnação aqui, mas a o que ela mais pontuou foi "Não olhe pra trás! Quando você for começar a virar o seu pescoço pra virar pra trás, sinta uma dor insuportável! Não ouse olhar pra trás." E eu recebi o recado dela. Não viva do passado, olhe pra frente e siga em frente. Eu sinto que hoje, diante da nossa situação politica e de sociedade, isso precisa ser a primeira regra. Não viver do passado. O que passou, passou. pode nos servir como uma analise, pra que a gente possa desconstruir várias regras e atravessamentos problemáticos da nossa sociedade brasileira e mundial. A gente vai precisar criar, enquanto jovens humanos, uma nova possibilidade de futuro, presente e passado. Porque só o presente também não é o suficiente.
JG: Lindo! Quero conhecer Mãe Celina de Xangô.
SP: Poderosa!
JG: Vamos falar de gênero agora?
SP: Gênero! Aí, gênero! Eu sou gender fuck né amiga? Eu sou assim foda-se gênero! Eu só não saio por aí dizendo, e só teve uma vez em público que eu disse isso, pra uma matéria da Globo sobre LGBTQI+ e cada pessoa que eles escolheram seria representante daquela letra da sigla e eles me chamaram pra ser o +, porque eu tava vindo com aquele papo da não binariedade, e eu escrevi assim "Sou gender fuck, Foda-se gênero!". Sei que não é uma colocação muito didática, é uma colocação que pra mim faz sentido, pra muitas pessoas faz sentido mas pra mais pessoas ainda não faz. Acaba sendo muito extremo e radical e as pessoas não acessam muito. Porque gênero é uma estrutura babadeira da nossa sociedade. A gente vive numa sociedade muito machista, falocêntrica, heteronormativa, heterocompulsória e teve um marco muito forte na minha vida que foi quando a minha professora orientadora me apresentou a Teoria Queer, eu sei que tem várias questões e críticas que precisam ser feitas a Teoria Queer, só que estudar teoria queer foi quando eu comecei a organizar o meu pensamento de desconstrução do que que é gênero, perceber mesmo o que é ser interpelado desde aquele primeiro momento que você tem um pênis então você é um homem, você tem uma vagina você é uma mulher. E como começar a desconstruir isso, como perceber que seres femininos não são submissos de seres masculinos, que eu não necessariamente preciso ser masculina ou feminina. Eu sinto que toda a nossa sociedade é pautada em gênero, desde o banheiro até organizações sociais de quem tá ganhando mais dinheiro. Eu sou gender fuck. Isso eu não digo pra todo mundo, porque eu sinto que até o momento de coletivamente tá todo mundo dizendo "eu sou gender fuck, foda-se o gênero" ainda falta muito, muito, muito. Mesmo. A gente ainda vai precisar conversar muito sobre isso porque é uma estrutura que nos fode todos os dias.
JG: Agora me responde uma coisa.. pode ser como terapeuta, artista, Gabe, Sabine mas qual é o trabalho/projeto que você botou pra fora de alguma maneira e que você acha que foi o mais importante? Pra você mesma.
SP: Inquestionavelmente "O que fazer quando uma corpa virar cinzas?". O meu trabalho no Parque Lage, no Queer Museu. Muito forte! Eu transcendi ali. Eu precisava dar uma resposta ao parque Lage, que escola não é banco, que eles são racistas e que tavam fazendo pink money, mas principalmente aquele momento ali foi pra eu assimilar, trazer pro meu corpo a primeira vez o que tinha acontecido com a minha irmã e consegui transcender isso. Mudou completamente, transformou a minha carreira. acessei outras dimensões do meu trabalho a partir daquele momento ali. Foi muito forte. Usar 60kg de carvão, 3 horas, eu nunca vou me esquecer que no final da minha performance Ney Matogrosso estava fazendo um show ao lado e eu estava rodeada de amigas, pessoas me cuidando ali. Eu nunca vou me esquecer do meu corpo se debatendo no chão, eu não vou me esquecer como eu percebi que precisava finalizar a performance. Tinham 7 velas ao redor do meu corpo mas a última que apagou foi exatamente a que estava na frente do meu rosto e eu lembro deu tendo uma intuição assim você vai acabar a performance quando você ver que aquela vela apagou e de fato aquela ali era a última vela acesa. A última que apagou foi a que tava diante dos meus olhos. Um momento que eu percebi que eu tenho uma intuição babadeira que vai além da minha visão, da minha fala e da minha audição. Uma onda energética fortíssima.
JG: Sincronicidade. E o que você me diz sobre as suas horas vagas?
SP: Todas as minhas horas são vagas - gargalhada. Eu vivo dias de 24 horas vagas amiga. Não me importo! Graças as Deusas, em 24 anos eu tenho o privilégio, porque até mesmo os trabalhos que eu faço eu escolho como é que é que eu vou fazer as minhas horas acontecerem. Quando eu não to em trabalho, por exemplo quando eu to aqui, hoje tava até conversando com a minha mãe, eu não to me obrigando a fazer nada. Antes de viajar eu tava num fluxo de escrever, de desenhar e ai quando eu viajei, eu tava trabalhando, criando e desde desenhando no meu sketchbook até gravando podcast, fazendo performances participativas, então hoje eu to num momento de ai quero ficar deitada, assistindo netflix. Nas horas vagas o que eu mais gosto de fazer eu sinto que é dançar. Sinto que é a coisa que mais me da prazer no mundo é dançar. É estar numa pista de dança com as minhas amigas, eu amo! Aprendi isso com a minha irmã! Os momentos mais gloriosos que eu vivi com ela foram com a gente dançando, numa pista de dança e os olhares se encontravam e a gente não tinha dúvida que a gente tava vivendo momentos gloriosos e eu sinto que a gente já viveu momentos como esse e que a gente ainda vai viver muitos momentos como esse. Eu amo sair pra dançar, ficar bêbada e chapada com as minhas amigas. Se arrumar pra sair! Ir pra casa das minhas amigas, jogar um tarot, estar com a minha mãe, com meus amores. O universo coloca pessoas maravilhosas na minha vida todos os dias e eu sou muito grata. Tenho muita gratidão!
JG: Perfeita! Maravilhosa! Algum trabalho engavetado que fica ali na sua mente?
SP: No momento é o meu podcast em português. Vou fazer um podcast em português. Preciso usar a minha voz. Senti que o universo me deslocou até Amsterdam, pra eu perceber o quanto é importante que eu use a minha voz pra dizer algumas coisas e que eu possa compartilhar com as pessoas. Então se te algo que eu to intencionando começar em breve é começar a produzir conteúdo podcast em português. Eu até liberei no último sábado um podcast diário de bordo sobre magia mas eu gravei no meu celular postei e no outro dia eu apaguei porque eu pensei nossa eu preciso fazer algo com mais qualidade. Porque os meus podcasts em inglês, esses 5 capítulos eu gravei com extrema qualidade, num estúdio de som, eu pude fazer um trabalho de paisagem sonora, tive um tempo pra elaborar. Então eu não quero criar conteúdo em português que seja um conteúdo feito de qualquer maneira então eu estou agora no momento intencionando encontrar um estúdio de som onde eu possa elaborar o conteúdo.
JG: Já quero ouvir! E como é a sua rotina?
SP: Rotina pra mim é ritual. Não gosto de rotinas quadradas, não gosto de fazer a mesma coisa todo dia, não gosto de cumprir rotinas que são ordenadas por outras pessoas. Outra coisa que eu aprendi com a minha irmã foi que eu sou a minha própria ordem. Eu só posso seguir a minha própria ordem e não a de nenhuma outra pessoa. A minha rotina aqui em Rio Bonito é acordar, tomar o meu café da manhã que pra mim é o momento mais sagrado do meu dia, meu café da manhã. Quando eu tenho um bom café da manhã eu tenho um bom dia. Comer uma coisa gostosa! Adoro!
JG: Pós quarentena de corona você vem aqui em casa e a gente toma um café da manhã bem gostoso!
SP: ADORO!
JG: O que é o tempo pra você?
SP: Aí eu vou puxar um vídeo que tem no youtube. Uma apresentação do Gilberto Gil na USP e ele tá cantando aquela música "Iansã" e diz que o tempo é o verdadeiro alquimista. A única coisa possível de verdadeiramente transformar as coisas. O Tempo. Alquimista.
JG: Agora quero te fazer umas perguntas meio Xuxa, assim mais rápido mas não precisa ser só em uma palavra não, ok?
SP: OK!
JG: Beleza
SP: Coragem
JG: Amor
SP: Comprometimento
JG: Dor
SP: Aprendizagem
JG: Um filme
SP: ...primeiro que veio na minha mente foi "The Dreamers"
JG: Uma música, sei que você já falou da Fique Viva, mas se quiser falar outra...
SP: Musica, transcendental. Louvação a Oxum a música que eu escutei cotidianamente nos ultimos tempos.
JG: Comida
SP: ADOOOOORO! Empadão da Salacione!
JG: Cheiro
SP: Canela, mas eu vou te dizer a primeira coisa que veio na minha cabeça também. Um cheiro, eu amo, quando eu to começando a me apaixonar por alguém, aí é o cheiro da pessoa. Só não vou dizer nomes pra não me comprometer!
JG: Hahahahahaha amo! E uma textura?
SP: Pelo. Pele e pelo.
JG: Nossa amiga! Que delicia esse papo! Muito obrigada! Você foi a pessoa perfeita pra começar isso!
SP: Amiga você é perfeita! Que oportunidade maravilhosa! Agradeço!

Comentários